Histórias

terça-feira, outubro 20, 2015

O moço que nada

 
http://www.updateordie.com/2015/09/23/fotos-capturam-a-angustia-que-e-viver-com-depressao/
- X -
Em um lugar preto e branco, literalmente preto e branco: o sol era a luz, branca, a grama num tom de cinza, porque o lugar é de escala entre preto e branco, não é apenas preto e branco. Cachorros, pretos, cinzas, cinzas claro, cadelas brancas, cinzas. Casas brancas, janelas pretas. Pessoas todas cinzas, todas da mesma cor. Tudo igual, tudo quase o mesmo, sem encanto, sem surpresas.
As surpresas são presentes embrulhados em papel cinza e fita preta, mas o papel é transparente. Não há objetos desejados, há distribuição igual. Pássaros voam, formigas caminham.
Quieto, quietinho, o lugar.
Então nada se move, tudo fica parado, talvez se ouça o zumbido de uma abelha chata que insiste em zumbir. Ou, de repente, a voz de uma pessoa chata que insiste em falar, ela deveria apenas se jogar de algum lugar bem alto, ali ninguém perceberia. As coisas podem acontecer e nada muda, porque, na verdade, nada acontece. Não há muitas pessoas, pode ser que estivessem escondidas de alguma coisa. Um monstro, uma pessoa, um alguém.

 - Y -
A silhueta estranha, sem forma redondo ou reta de gente. As bordas cerradas, fazendo um som estranho, parado. Quieto. O lugar quieto que não se move, só afunda e escuta cada coisinha como se fosse algo grande, muito grande, pois o silêncio amplifica o som. Ouve-se mais, machuca mais. Não se pode falar alto para que algo preto não saia pelos lados dos rostos. Não existem tantos rostos. Existem, sim, vários pensamentos, formas, monstros, ideias.
Aquela forma estranha caminhava lentamente e passivamente pelas ruas, sem pessoas. Parecia ir se acalmando, até diminuindo, mudando de forma, ficando mais regular, menor. A lua no céu, brilhante. A criatura anda, a lua aparecia, crescente. Caminhava quieta a criatura, sem ver gente, vendo flores cinzas. Não tinha fome, não tinha nada nas mãos, sozinha, solitária. Passiva como nada que há. Sem beleza, sem coisa alguma, sua definição era justamente: nada.

 - Z -
Respirou fundo, guardou o ar. Sentiu seus pés que tanto amava, suas coxas, seus braços, suas mãos, seu cabelo preso, seu rosto calmo, percebeu sua pele, suas células fazendo o que tinham de fazer, os sons da calma ao redor, folhas, ar, vida, sentiu as cores que existiam, expirou. Abriu os olhos.
 - Estou aqui.
Vivo e aquém disso ao mesmo tempo, mas estava ali, era o que de fato importava, porque estar ali significava que tinha algo a fazer, agir para si mesmo, fazer algo por si mesmo, algo poderia ser feito para fugir de sua falta de cor interior: procurar cores fora, depois pegar um pouco num balde e trazer para dentro aos poucos. Aos pouquinhos é melhor que nada. Ele ouviu, ou será que sentiu?, que ele deveria tentar, não importando o que ele sentia agora, pois o tempo passa de qualquer jeito, dizia que por favor para ele tentar, nem que fosse fugir um pouco de si mesmo, de qualquer jeito, que pesquisasse, que ligasse o gás, que tentasse não respirar. Ele tinha que encontrar um jeito de fazer algo, sentir-se bem, se ele estava vivo era por um motivo.
Mesmo triste, mesmo daquele jeito que você ficaria triste só de olhar, ele tentou e disse tantas vezes: "estou aqui", dizia fraco, depois foi ficando maior, mais alto. Disse em voz alta, muitas vezes e muito forte, até acreditar que era verdade. "Estou aqui". Levantou, foi comer alguma coisa, depois pensaria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Faça tudo com moderação (a não ser que tenha a ver com o amor). ;)